precipício é escolha?
depois de quase 4 anos de análise, finalmente aprendi a colher os frutos do movimento de me escutar falar por incontáveis horas.
hoje, finalmente entendi que meu deslocamento encontrou a via da perspectiva. encontrei em mim, o terceiro caminho que estou abrindo com a força do movimento.
recordando o primeiro ano analítico, fomos invadidas pela via da observação da Yanka de quase 24 anos para a de quase 28. nesse meio tempo, invadida incontáveis vezes pela paralisia do diagnóstico que com o manejo terapêutico, aprendi a respirar e encontramos caminhos. no vínculo analítico, consegui entender a importância de cada caminho, cada respiração, cada parada, cada observada ao meu precipício.
com sabor de afeto, encerramos mais uma sessão visivelmente emocionadas com o salto em direção à vida que o processo analítico me levou. é muito simbólico e, deixo aberto a interpretações dos colegas da psicanálise, do quão é interessante escutar um analista te escutar pulsando vida e fazer o movimento de recordar em voz alta o quão vidrada na morte a escuta se iniciou. é interessante e mágico na mesma proporção.
entendi hoje que o precipício sempre irá existir e a qualquer momento poderei me sentir em casa com ele novamente. talvez, eu tenha entendido e feito as pazes com a importância do planejamento. aprendi que as inconstâncias acontecerão. é como se eu tivesse aprendido a usar a vírgula em relação à elas, sabe? aconteceu, o que eu posso fazer depois que der errado? ficarei parada ou me movimentarei?
eu adoro a sensação de quando a análise convoca esse lugar de empolgação pelo seu próprio esforço de se escutar por 50 minutos (ou até menos quando decide convocar o Lacan), de quão podemos ser transformados com a escuta de alguém qualificado mas principalmente humano.
lembro-me muito bem do quanto foi difícil para minha analista escrever o parecer psicológico da minha doença renal. de quanto a voz dela tremeu e embargou quando disse:
“Não é possível que todos esses anos a Yanka tenha sido só esse sofrimento. Não foi só isso, escrevo para algo específico, mas eu vi todos os movimentos. Eu vejo você se movimentar, Yanka!”
não fui só sofrimento, mas aprendi que ele faz parte considerável para o amadurecimento. não fui só alegria, mas aprendi que ela é possível em meio ao caos mais arrebatador. não fui só doente, fui saudável quando me movimentava em direção a olhar para mim com cuidado. fui saudável quando tive forças para encarar todas as adversidades sabendo que haveria um escuta que me acolheria.
eu não fui e não sou qualquer coisa que alguém queira dizer que eu sou. eu sou aquilo que eu escolho ser e tenho estado cada vez mais consciente dessas escolhas. o precipício não acabou, eu aprendi a plantar flores antes de chegar nele. eu não estou no meio dele e não sou só ele… eu também sou todas as escolhas inconscientes de ser para além dele e entender que é estar nele é um caminho, mas que eu decidi fazer uma picada entre os dois caminhos e escolher que é nele que vou trilhar agora.
eu não sei o que me aguarda, mas estou confiante que é nele que preciso seguir agora porque aprendi a construir caminhos e possibilidades dentro da escuta e acolhimento de uma mulher preta para outra mulher preta.
quando uma vence, todas nós vencemos!
um salve à espiritualidade e um salve à psicanálise nossa de todos os dias!
um salve à todos aqueles que curam com sua escuta!