“por que chora trancada aí dentro?”
Sempre chorei trancada no banheiro antes do banho.
Diversas vezes eu nem queria tomar banho, mas tomei para justificar as lágrimas derramadas e os olhos vermelhos. Perdi as contas de quantas vezes também já lavei o cabelo e gritei fingindo que caiu shampoo só para evitar questionamento dos olhos vermelhos.
Sempre vi dentros do banheiros a possibilidade de ser eu mesma em vunerabilidade transparente fechadinho no box privativo em lugares públicos ou com a porta trancada mesmo. Quando a vontade de chorar bate, geralmente eu corro para o banheiro mais próximo de me derramo, transbordo e inundo o meu ser em lágrimas.
Talvez, mas só talvez, seja por isso que no início do meu processo terapêutico (quando a couraça foi afroxando) eu sonhava quase sempre que estava no banheiro tomando banho e os banheiros alagavam de água do chuveiro e da torneira. Incontáveis vezes, no meu espaço onírico, eu nadei na alagação da águas torneirais e águas produzidas pelos meus canais lacrimais. Chorava tanto que era difícil de saber se era o chuveiro/torneira ou minhas lágrimas que iniciavam a alagação.
Desde criança eu choro no banho. Desde sempre misturo as lágrimas com as gotas de água. É mais fácil pra mim deixar rolar quando o chuveiro tá aberto e eu tô embaixo dele. Sei que grande parte das vezes que chorei escondida era para não mostrar que eu sou vulnerável. Sei também que não preciso me esconder, mas eu prefiro. Às vezes, me sinto num clipe de música gringa triste demais que a personagem central chora até explodir. Às vezes, eu sinto que sou seca demais pra chorar e peço ajuda da água pra ver se molha algo aqui dentro e as lágrimas descem. E funciona.
Eu sempre quis esconder que chorava quando me deixava chorar. Eu não queria mostrar pra minha mãe que eu era fraca, depois eu não queria mostrar pra mim mesma que eu era fraca. E depois, eu simplesmente não pude mais chorar deitada na cama porque precisaria explicar pra minha filha do porque do choro. E me apeguei mais ainda no choro durante o banho.
Quando as represas se romperam, eu chorei tanto, mais tanto que eu gritava dentro do banheiro quando chorava e deixei todo mundo que estava em casa aquele dia desesperado. Eu chorava, gritava e na minha cabeça eu só ouvia: “isso, chora tudo… deixa rolar, enquanto tiver lágrima pra sair, deixe sair”. E eu deixei.
Hoje, eu choro e choro muito para os meus padrões de costume antigo. Choro lavando louça, choro na cama, choro sentada no sofá, choro na rua, choro e choro muito. Mas o chorar no banheiro… Esse sim me deixa calma.
Uma vez, vi uma aula muito difícil sobre violência na adolescência na faculdade e não aguentei, pedi licença da professora e fui ao banheiro… Chorei um choro doído, um choro quente e que ardia na pele porque eu sabia o que era aquele tipo de vivência. Uma professora de outro curso, bateu na porta porque me ouviu chorar e disse: “oi, tá tudo bem aí dentro? você precisa que eu chame alguém? eu sou professora da faculdade e posso conversar se você qusier.” E eu queria dizer: “sim, chame todos aqueles que me machucaram ao longo da vida para se desculparem!”, mas só respondi: “não professora, obrigada pela preocupação… tô bem, mas a senhora deve saber como a faculdade nos arrancam lágrimas, né?”
Eu me sentia triste e descompensada quase todo o tempo em que estava na faculdade, por culpa dela e da profissão que escolhi exercer, eu havia iniciado a abertura da minha caixa da Pandora. E eu aprendi a chorar em todos os cantos. Chorei na ida e na volta dentro do busão, chorei sentada na biblioteca no cantinho da sessão de Psicologia deitada no chão, chorei sentada embaixo das árvores, na escada de emergência, no estacionamento… Eu rompi as barreiras e chorei. E mesmo assim, eu ainda prefiro chorar na segurança do banheiro com a tranca fechadinha.
Gosto de ser vulnerável dentro do banheiro, tomando um banho e pedindo que aquela água que caí misture com meus sentimentos e lágrimas e que apenas molhe as sementes para que floresçam no tempo certo.
Hoje entendo que chorar e ser vulnerável não é ser fraca. É preciso ser muito forte para ser vulnerável…
Escrevo esse texto após chorar com o insight que invadiu minha cabeça enquanto via Abuela Grillo pela milhonésima vez. Eu amo esse curta e ele traduz aquilo que eu passei a entender o porque dos meus choros no banheiro.