“Onde mora o teu silêncio?”
Meu silêncio habita numa fenda das profundezas do meu ser.
Tenho gritado lá de baixo para que aqui em cima seja escutado através de ecos. Me movimento em direção da dedução do que eu ouço. Não escuto bem, então deduzo.
O silêncio me fez companhia a partir do momento que entendi que ele estaria sempre aqui. Hoje, eu o escuto e contemplo. Tenho aprendido sobre o silêncio não vir do lugar-vácuo onde tudo que se é dito, não é escutado.
Meu silêncio mora no fumo, no processo de aprender a bolar carregado de risadas e gozação da falta de habilidade. Nesse momento, ele mora e vira imperador de mim. Momento de interação entre nós dois, onde ele baila junto dança da fumaça solta. Dentro da garrafa d’água que carrego comigo para todos os lados, principalmente nesse momento. Aqui nos encontramos intimamente como dois amantes.
O silêncio não vem mais como um trem ensurdecedor que me atropela e arrasta meu corpo pelos trilhos. Vem como a brisa que balançou meus cabelos sentada no fim da tarde no dia em que conheci o Arpoador. Vem juntinho dessa lembrança que é bonita em meio a muita dor. É no silêncio que venho aprendendo a responder inúmeras perguntas levantadas na terapia.
Meu silêncio não tem morada fixa. Foi dentro dele que aprendi a diferenciar o silêncio do silenciamento. E, tem sido de extrema importância aprender a ouvir minha voz dentro dele.
O silêncio faz morada nas profundezas do meu ser, lá tem uma piscina natural além de fenda, abismos e poço. Onde mostra águas calmas e rasas quando não se há coragem de olhar para além da figura narcísica refletida nas águas. Mora também quando crio coragem para mergulhar nessa piscina e descubro que é um oceano em profundeza. Há períodos em que me afogo na profundeza dessa imensidão. Hoje, eu vou aprendendo a boiar e a nadar quando acho que está parado demais.
Meu silêncio habitou 7 semanas no meu útero e eu o desfiz porque tive consciência que não suportaria o peso do silêncio do outro que teria que me acompanhar e dos gritos reais que eu teria que (re)escutar.
Meu silêncio me engole em dias cinzas de contemplação da minha angústia, fico na cama que me abraça e me nina quando não suporto o peso dele.
O meu silêncio se desfaz quando me autorizo que ele se recolha, através de todas as palavras em que eu escrevo. Meu silêncio se desmonta quando me deixo ler por aqueles que me são importantes e aqueles que me acompanham sem nunca ter visto meu riso, meus olhos, meus lábios e cachos.
Meu silêncio invade nos momentos em que sento na beira da cama e me debruço sobre a janela do quarto e passo a contemplar o céu azul, os pássaros voando, as folhas das palmeiras balançando e as cigarras gritando.
O meu silêncio apesar de não ser quieto, me deixa muito confortável quando preciso que o espaço seja preenchido por ele. É por estar aprendendo a desfrutar da companhia dele que me sinto livre para testar desenhar, escrever, pintar e me desamarrar de alguns lugares que nunca foram meus, mas estão aqui.
É dentro desse silêncio que ando trilhando caminhos em que virei o meu ponto de partida. Talvez, eu tenha gestado e parido essa forma saudável de vivenciar o meu silêncio. É dentro dele que enxergo e escuto melhor tudo que preciso resgatar de ferramentas para enfrentar a vida. É dele que eu (re)nasço pro mundo todas as vezes.
Antes de (re)nascer a cada silêncio vivenciado, eu morro. Canso, entristeço, deito no fundo do meu poço e sinto a terra fria na minha pele e me desligo o tempo que me é possível.
Preciso morrer entristecida no silêncio para (re)nascer falante, amorosa e acolhedora. E, nesse momento, volto a enxergar tudo que esteve aqui, ali e aí.
texto parido após a inquietação da lindeza do texto ouvido no podcast “para dar nome as coisas" do episódio “onde mora teu silêncio?”