mistério do planeta.

neurose y palavras.
4 min readOct 3, 2021

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Venho tentando manter a casa limpa, a externa e a interna.

A medida que as confusões internas me tiram do eixo e bagunçam tudo aquilo que já tinha organizado antes, a externa reflete tudo. Tudinho.

Roupa suja pelos quartos e cozinha, louça suja quase sempre em cima da pia. Varanda com poeira, que vira lama quando a chuva invade o espaço. Guarda roupas uma zona inteira. No meu lado e no dele. Quarto da criança tem brinquedo, massinha, raspa de lápis apontado e resto de borracha pela mesa e chão. Poeira dominante nos bibelôs e livros das estantes da sala e do quarto. A bagunça infinita no cantinho do quarto que virou clínica e lugar de estudo.

Freud me contou bem início do curso que “o Eu não é senhor em sua própria morada". Não é senhor, mas também não li em lugar algum que não poderíamos abrir as portas, janelas e o porão dessa casa. Não li em lugar algum que nunca conseguiríamos colocar algumas luzes nesses cômodos pra sinalizar que já visitei ali.

Tenho encontrado luzes de led e instalado no centro dos cômodos que já coloquei luz. Tenho guardado velas com um isqueiro no bolso para poder iluminar os cantos do porão da minha casa. Nesses caminhos trilhados, fui encontrando pessoas que convidei para entrar e tomar um chá comigo e meus monstros. Algumas se foram, outras de perderam. Outras permaneceram e várias outras eu mesma abri a porta da frente e as tirei daqui dizendo: “bem, obrigada por tudo, mas você não cabe mais nessa casa, nem na reforma que as estruturas estão demandando".

Por ora, tenho aprendido que por mais que eu tente deixar tudo organizado, dentro e fora, as coisas/pessoas irão bagunçar outra vez. Mas euzinha, aprendo todo dia um pouco sobre os caminhos para me organizar minimamente para poder viver de forma mais harmônica comigo e com es outres. Tenho aprendido que não é possível ser detentora do controle que me dá a falsa ilusão de segurança. Aliás, tenho aprendido tanta coisa nos últimos tempos que dificulta listar e/ou falar sobre elas.

Tenho buscado os caminhos de me acolher e me amar enquanto uma mãe possível. Os caminhos de ser uma boa pessoa dentro do que acredito que é ser boa. Tenho tentado ser uma boa companhia ao namorado e, talvez, tenha entendido há pouco tempo que para ser boa não é necessário estar o tempo inteiro disposta ou atenta para ele e suas questões. Tenho tentado o máximo que consigo em cuidar de mim e da minha saúde, tenho tomado em média 3/4 litros de água/dia e, isso é digno de uma comemoração por ser uma conquista pessoal que parecia impossível alcançar.

Pensar que a organização da casa é por tentativa e erro, tem sido mais leve de lidar com ela. Um dia, lavo roupas e no outro me deito na cama para relembrar quais caminhos já tracei para o enfrentamento da autossabotagem. Tem dias que faço o melhor almoço que consigo e no outro a gente come cuscuz com ovo fazendo festa porque eu não aguento lidar com a bagunça da casa interna. Tem dias que me estresso com a bagunça interna e levanto na força do ódio para limpar a casa externa e poder olhar e dizer: “pelo menos tem algo organizado aqui".

Fazem poucas semanas que observei que quando tudo tá uma merda grande demais de lidar, eu começo a limpar e organizar tudo externamente. Isso incluí, virar uma chata do caralho e começar a cobrar quem mora comigo para fazer o mínimo. Limpar a própria louça depois de comer, limpar a mesa, por as próprias roupas pra lavar… desejo que todes acompanhem o meu ritmo de movimentação, mesmo sabendo que quem quer se movimentar nessa direção sou só eu mesma.

Manter a casa externa limpa tem sido um sintoma e a partir dela o meu sintoma mais forte começa a gritar: “eu tô cansada! Eu tô cansada! Eu não aguento mais, eu tô cansada!”. Fazem alguns meses que falo em terapia o quanto estou cansada e por algum tempo, pensei que fosse um cansaço físico, mas não é. Tenho pensado em como procurar a beleza, o amor e o acolhimento dentro do meu cansaço… Infelizmente, não cheguei em lugar algum ainda. Só consigo ver a escuridão ao redor da chama fraquinha da vela que eu acendi.

Na última sessão de terapia, foi bem difícil admitir um monte de coisas e principalmente ter escutado que cheguei a uma elaboração. Dentro da minha cabeça fantasiosa, eu achei que com a elaboração o que doía iria parar de doer magica e imediatamente. Apesar de ter doído demais, eu tô me sentindo leve. Eu abri uma janela que chegou a luz do sol. Como eu sei disso? Sei lá, só sinto que começou a ficar quente e a luz tá chegando em lugares que ainda não havia chegado.

Nessa última sessão, saí pensando em Mistério do Planeta dos Novos Baianos. Porque é bem como diz a letra da música: todo lugar que chego vou mostrando como sou e vou sendo como posso. A pouquíssima certeza que eu tenho nessa vida é que eu sou passível de mudanças e que posso mudar quando estiver pronta e aberta pra isso… Mas, isso não quer dizer em nenhum momento que as mudanças não me custem noites de sono, apetite, vontade de continuar do mesmo jeito que já estou, vontade de deixar tudo que tô vivendo agora pra tentar mudar de uma forma mais radical.

E, conforme vou vivendo e conhecendo novas formas de ser e estar, tô jogando meu corpo no mundo e sigo andando por todos os cantos. Vou acendendo velas, tentando iluminar os caminhos e conheço pessoas incríveis que seguem num caminho de auto(des)conhecimento e que querem estar ao meu lado, estão aqui e nem querem nada em troca e, assim, pela lei natural dos encontros eu deixo com elus um pouco de mim e recebo um pouco delus. E, eu passo meus olhos nus ou vestidos de lunetas pra entender que eu sou a melhor forma possível de mim. E, mesmo no passado ou no presente, eu seguirei sendo um dos mistérios do planeta.

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Written by neurose y palavras.

escrevo como quem manda cartas de amor.

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