mate-o.
Pensei em vários jeitos de começar esse texto sem expor uma das maiores dores e que até 2 dias atrás estavam recalcadas.
Lembrei de todas as cenas de abusos sexuais, psicológicos e físicos vividos na minha adolescência. Eu não fazia ideia do quanto isso era um peso aqui dentro, até saírem em forma de lágrimas, desespero e muita raiva. Eu saí da terapia tem 30 minutos. Ainda não digeri muita coisa, mas já tenho certeza de outras.
Eu vivi uma realção abusiva por anos e isso me destruiu. Eu morri. Essa versão que lêem nesse blog é uma versão que busca viver. A fase em que o ser humano firma a personalidade e experiencia a vida de outra maneira, eu estava presa. E morta.
Quem conhece essa versão Yanka 2.0 ao vivo e a cores, sabe o quanto eu sou riso solto, piadista e elétrica. A Yanka adolescente também era assim… Até encontrar alguém que lhe roubaria o direito de existir. Chegou um homem branco e territorializou meu corpo, meu jeito de viver, meu jeito de rir e o meu jeito de existir.
Eu passei algum tempo culpando a Yanka adolescente por ter demorado demais para sair daquilo tudo. Culpei por não ter tido força o suficiente para dar um basta, culpei a pela falta de amor próprio, culpei. Eu coloquei aquela Yanka jovemzinha desamparada e medrosa em praça pública e eu fui a própria carrasca que gritou: TRAIDORA! VOCÊ NOS MATOU!
Hoje, depois de passos arrastados e caminhos extremamente doloridos, eu descobri que não fui eu quem me matei. Eu tive a certeza que eu não queria tirar a minha vida em 2019, eu queria muito era viver e não sabia como. Então, resolvi que morreria. Já ouviu falar desses casos de: “coitadinha… tinha tanto pra viver, mas preferiu morrer…” Eu já ouvi e é violento pra caralho. Eu descobri hoje que eu não escolhi viver aquilo, eu quis saí… Eu reuni forças para sair mas fui derrubada, sufocada e socada. Literalmente.
A alguns meses atrás eu iniciei o processo de acolhimento da Yanka adolescente e talvez tenha escrito um texto ou tweet sobre, o lance é que venho anunciar que consegui acolher aquela adolescente fragilizada.
Segunda feira, olhei nos olhos daquela Yanka e disse: “nós não fizemos aquela escolha, fomos violentadas. Tomaram o nosso direito de excercer nosso corpo e pensamento.” Foi nesse dia que, como um passe de mágica, caiu a muralha do recalque. Eu vi o mesmo buraco no peito que não via a anos. Eu não dormi, quase não comi, só chorei e tomei muitos banhos. Nojo, raiva e desespero. Eu sabia que tinham acontecido, mas não lembrava de como tinham acontecido, como eu reagi e o que senti.
Eu tive que pedir adiantamento da sessão porque não sabia se aguentaria essa dor até sexta-feira. Ela me ouviu e os olhos dela me disseram que ali também doía enquanto eu falava e chorava. No fim dessa sessão, ela disse que partilhava dessa dor e que também terminaria da sessão sensibilizada e dolorida. A questão nunca foi compadecer da minha dor ou das minhas angústias, mas sim de encontrar alguém que ocupasse esse lugar de terapeuta e escuta humanizada. Era isso que faltava em todos os vínculos terapêuticos que busquei até chegar em Eliane… Mas esse texto eu escrevo depois e, talvez só para ela.
O grande lance é que Eliane me atentou para algo que eu não lembrava: são memórias e elas estarão vivas quando eu pensar nelas. O que me lembra do porque gostar tanto de uma música da Banda Mais Bonita da Cidade. Eu ainda tenho muito para caminhar nesse quesito de autoconhecimento e sei que existem muitas quedas e quebras de paradigmas para viver. Porém, o mais importante está acontecendo e aconteceu nos últimos tempos… Eu escolhi viver.
Eu tive forças para romper com esse ciclo. Eu tive forças para recusar esse tipo de expressar o “amor”, porque o amor nunca foi e nunca será sobre posse, controle ou poder. Nunca será! Eu consegui acolher a parte em mim que eu mais julgava e mais buscava matar e enterrar. Entretanto, não sou eu quem precisa morrer. Eu preciso matá-lo, forma figurativa da palavra. Junto com a dor, com o abuso, com as feridas que sangraram baldes me fazendo perder a vontade de viver. Preciso enterrar essa prisão que ele me jogou dentro e todo esse abuso de poder com o meu ser. Talvez, o desespero de encontrar lugares para me ferir e me desestabilizar, seja porque ele sabe que a morte está próxima, eu o sinto agonizar.
Por mais dolorido que esteja sendo, eu tirei essa corrente que me prendia a uma âncora. Hoje, eu sou e estou livre. Eu posso ser eu mesma. Reinvindiquei meu lugar de ter uma existência digna. Sem caixa pequena no fundo da minha alma. Hoje eu morro de orgulho de ter risada marcante, tenho orgulho dos traços da minha personalidade, tenho orgulho da minha pele, do meu corpo, do meu jeito de pensar…
Eu demorei para chegar até aqui e descobrir essa minha potência, andei por caminhos doloridos e agonizantes. Cheguei no fundo do poço e tive medo de nunca mais sair… Me libertei e continuarei fazendo esse processo de libertação e separação que tanto almejei. Esse processo é meu e ninguém tomará de mim!
E eu já tinha decidido e hoje só fortaleço: não aceito ninguém que chegue para territorializar meu corpo e minha mente dizendo que é amor.
Aos 24 anos, escrevo como quem está, finalmente, livre. Aqui (re)nasce uma nova perspectiva de vivências e uma versão mais madura de mim mesma.