descanso.

neurose y palavras.
5 min readMar 16, 2022

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Cansei no choro, no acesso à raiva, nas injustiças, nas inúmeras violências e violações, nas marcas e cicatrizes.

Cansei no não saber dividir, no não dar o braço a torcer, no grito que não levaria a lugar algum, no corresponder os desejos e expectativas alheias.

Cansei quando focava demais na falta da grana, na falta de independência, na falta do amor, na falta do carinho, na falta de ser escutada e acolhida.

Cansei numa infinidade de pessoas que me disseram como cuidar do meu rim, nas inúmeras receitas improváveis e descabidas. Cansei no não largar o osso das minhas próprias idealizações, de ir de um extremo ao outro em anos, meses, dias e minutos.

Cansei quando quiseram me dizer como deveria ser o maternar, como deveria criar a filha que eu pari, mas que é criada por várias mãos e corações. Ultrapassei os limites da minha exaustão e mergulhei na dor, no despreparo, no medo, na tristeza, na convicção de que sozinha eu podia qualquer coisa. Cansei quando me disseram que eu era obrigada a parir aquele que estava no meu ventre, mas optei por não parir.

Cansei e sufoquei com a minha própria dor e angústia. Só sabia funcionar nelas, só sabia me enxergar à partir delas. Cansei e me cansaram.

Hoje, prestes a completar 4 anos de terapia, eu respondi positivamente a pergunta que me dava ânsia de vômito no início do processo terapêutico: “e aí, Yanka. Como você tá?”

Iniciei respondendo o de sempre e rindo: “sei lá…” e finalizei resgatando a pergunta do início e disse:

“acho que eu finalmente posso dizer que eu tô bem. Puta que pariu, quase 3 anos depois eu respondo que tô bem.” E, rimos.

Antes de chegar nesse momento-resposta chorei demais, me desesperei, me cortei, gritei, desejei morrer e rastejei no fundo do posso. Eu passei baixo. Passei MUITO baixo. E, finalmente, posso sentir que as coisas mudaram.

Mas muito diferente do que sentia, eu passei baixo, mas acompanhada. Des amiges, da minha filha, da minha mãe, do meu pai, dos meus irmãos, do meu companheiro-xodengo, da natureza, da tribo Arco-Íris inteira, dos Seres Divinos, do Santo Daime, da Eliane, de todes aqueles que passaram, que se foram, que permaneceram e que aqui estão, mas principalmente de mim.

Existe receita mágica pra virar as chaves da cabeça? Nem fodendo! Toda chave que virei partiu de lugares, coisas, sentimentos, vontades diferentes. A última e mais doida que virou foi acessar coisas absurdamente doloridas da infância. Minha mudança partiu da dor, mas eu escolhi não partir desse lugar. Escolhi partir do lugar do afeto. Precisei me segurar na micro-fagulha de consciência que tive e pedi ajuda. Segurei em mim e no braço dele e disse:

“Por favor, não me deixe esquecer que eu sou amada essa semana. Por favor!”

Não pedi para ser salva e nem que me socorresse, eu pedi aquilo que aprendi a duras penas que sou digna…. Amor, afeto, carinho, felicidade. Eu aprendi a escolher por mim. A escutar aquilo que realmente quero e optar por escolher sendo sincera comigo mesma.

Demorei muito pra entender que o amor que me é de direito não vem do romântico, vem do afeto genuíno de amar porque me faz bem, porque me emancipa, me acolhe, me constrói, que se fez alicerce pra enfrentar a vida. E, o mais importante, aprendi depois de tentar sufocar na minha própria caixinha no fundo da alma, a minha raiva.

Senti essa raiva em seu estado mais puro. Achei que enlouqueceria, fiquei cega mas me assegurei do que aprendi. Acolhi meu lado raivoso, estressado, com sede de justiça social, movido à sede de viver dignamente. Quando parei de negar e acolhi, me encontrei vulnerável. Me enxerguei vulnerável como jamais pensei que poderia ser e me abracei. Me botei no meu próprio colo e verbalizei: “a culpa não é nossa! A culpa não é nossa!”. Me encontrei criança aos 4 ou 5 anos e, acessei nessa vulnerabilidade a força de me sustentar e de amar aqui, aos 25.

Eu aprendi a amar, eu aprendi a me deixar ser amada. Aprendi que sou digna de afeto sim! Enxerguei que posso dividir as mochilas, os pesos e dar pro outro o que é dele e acolher o que é meu em primeiro lugar. E, sugerir que a gente carregue junto aquilo que for nosso e, não carregar sozinha o que não é só da minha alçada.

Aprendi que sou múltipla, que sou forte mas também sou fraca. Aprendi que a filha não é minha e, sim nossa, sem precisar estar exausta pra dizer que não fiz só. Aprendi a me observar, me cuidar, me permitir ser vulnerável pra mim mesma. Aprendi a cuidar do outro sem deixar de me cuidar. Aprendi tanta coisa… Tanta coisa!

Aprendi, principalmente, a fazer as pases com aquilo que não gostava em mim, mas que estava aqui. Aprendo diariamente a convocar minha fera. Aprendi que não é preciso permanecer num lugar só, me entendi um ser que transita, que passa, permeia, encontra, desfaz, refaz, constrói, destrói mas que se acolhe.

Eu aprendi a me por em igual ao outro, a olhar a dor do coletivo e saber que dói, mas que não me paralisa mais. Eu aprendi a transitar! Encontrei um caminho entre os extremos e sigo andando. Com medo, com receio, com observação, com cansaço, mas tem felicidade, tem amor, tem amparo, tem carinho, tem riso, lágrima, sexo, divindade… Tem tudo um pouco porque realmente entendi que pra ser inteira, eu preciso ser partes e que essas partes se comunicam e se alimentam.

Eu aprendi a encontrar beleza no meio do caos, mas me emociono em dizer que, finalmente, eu aprendi a descansar.

Quem escreve aqui hoje é uma Yanka descansada e feliz, apesar de ter muita coisa pra resolver e que não existe essa felicidade pintada nas comédias românticas. Quem escreve aqui hoje é uma Yanka possível, uma Yanka que lutou, chorou, gritou, espeneou, mas que amou, se (des)apaixonou pela versão ideal e construiu uma real. Uma Yanka que busca por possibilidades de SER em sua existência. Uma versão mais madura, que respeita à si, que se escuta, se acolhe e que aprende(u) a ser sua e partilhar com aqueles que me querem bem. Não mereço e não quero mais aprender tudo na dor e colar essa dor no meu corpo-território e fazer dessa dor o centro de tudo, mas sim uma parte de um cor-povoado transbordante de diversidade.

Sued Nunes, eu sou uma multiplicidade de povoamentos do meu corpo-território mas eu não sou só!

E, com incontáveis lágrimas de felicidade transbordante nos olhos, eu digo:

Eu aprendi a descansar em mim!

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Written by neurose y palavras.

escrevo como quem manda cartas de amor.

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