BBB, sociedade e desculpas.
Começo escrevendo esse texto com dor no peito e engasgada de ódio.
Desde o início do BBB21, fui atravessada por inúmeras questões que estão no cotidiano e luto todos os dias para que não me derrubem de onde consegui chegar. Racismo, LGBTfobia, branquitude e o pacto narcísico.
Hoje, dia 06 de Abril de 2021 vi o Jogo da Discórdia pensado estrategicamente para que o “fogo no parquinho” se instaure dentro da casa. O diferencial do jogo dessa semana foi o racismo nem tão velado assim do participante Rodolffo, para com o participante João. Rodolffo achou viável comentar que o cabelo de João parecia com o peruca do monstro, um neandertal.
João é uma homem preto que nitidamente morre de orgulho de suas origens. Exibe seu black como uma coroa e aquele alguém que entende e pratica aquilombamento sem utilizar dessa nomenclatura para se aproximar dos seus semelhantes. Desde o início do programa, João e Camilla de Lucas se identificaram e a partir disso nasceu uma grande amizade. Quem é preto, reinvidica seu lugar na sociedade e entende o quão as instituições estão determinadas em nos aniquilar, sabe que o nome dessa relação deles é ancestralidade.
Joice Berth, Tia Má e entre outras personalidades influentes negras falaram sobre essa relação de Camilla e João. Eu, enquanto telespectadora de uma programa que atravessa minha jornada, me sinto lisonjeada em ver aquilombamento e ancestralidade pulsante todos os dias na tv aberta. Poderia ter escolhido outra palavra para me referir a minha vida, mas usei jornada para que você que viveu em 2021 ou acompanhando o programa ou as redes sociais, fazer a conexão de quem eu estou falando. Sim, de Lumena Aleluia. Aquela psicóloga preta, mestra em Psicologia Social com ênfase em Relações Étnicos-Raciais e de Gênero. Porém, ela ficou (ficará) marcada para sempre como a preta pavio curto, agressiva e de fala difícil. Ela não ficará lembrada pela jornada acadêmica potente ou por ter encontrado dentro daquele jogo em rede nacional feridas que até então ela não tinha acessado. Diferente de todes es participantes que saíram da casa e tentaram justificar suas atitudes errôneas colocando a culpa nu outre, Lumena assumiu seus erros. Assumiu onde pesou a mão e foi mais transparente possível: “lá me encontrei em lugares que eu não sabia que ocupava”.
Mas a questão é: por que eu me sinto entristecida ao ver isso na TV?
A pergunta que vos faço é sincera: você sabe quem são as três pessoas que lideram o ranking mundial de rejeição na história mundial de reality shows? Sim, são 3 pessoas negras. Karol Conká (BBB21), Nego Di (BBB21) e Aline (BBB5). A conclusão que eu tiro disso é o povo preto está nitidamente afetado e tem suas relações interpessoais atravessadas por suas dores e questões. Isso é assunto para outro texto que vem sendo estruturado a cada leitura que faço sobre negritude.
1. Rodolffo é a cara do Brasil.
Racista, LGBTfóbico, rico, branco, privilegiado que usa o pai negro enquanto justificativa para violentar e abusar subjetividades negras dentro do programa e arrisco em dizer que fora dele também. Rodolffo é a personificação televisionada do branco que não consegue enxergar seu lugar de privilégio e se calar ao ouvir uma mulher preta dizendo sendo extremamente educada para não ser julgada depois com a velha máxima da “mulher preta raivosa e descontrolada”, como Lumena é marcada. Ele também é a personificação daquela gente branca que se julga “chucro”, “da roça”, “essas informações não chegam na roça” como bote salva-vidas para escapar de termos mais do que merecidos e se isentar quando alguém aponta as atitudes não aceitas dele. Se você tiver o trabalho de abrir a rede social dele, verá que a “falta de acesso” é apenas falácias. O cara esbanja carros avaliados em 250 mil reais, tem um cinema particular na própria mansão e tem acesso a lugares e coisas que mais da metade dos brasileiros nunca terão acesso. Será que ele é tão inocente assim? Será que a gente precisa mesmo sustentar esse lugar que ele ocupa dizendo que é um problema estrutural? Será mesmo que as pessoas que sofrem violência diariamente precisam se colocar no lugar de professor e expor as próprias dores para que pessoas como Rodolffo entendam que não aceitamos mais esse tipo de justificativa?
Rodolffo também faz parte daquele grupo de pessoas que não enxergam o privilégio em que estão inseridas, mas o que esperar de alguém que afundou o 17 na urna em 2018? O que esperar de alguém que fez campanha pública em apoio a um candidato a presidência que se referiu ao peso de corpos negros a arrobas? Será que estamos diante de um clássico cidadão, de uma vítima de um sistema que precisa se preocupar mais em pagar as contas e dar de comer aos filhos do que se dedicar a entender pautas sociais e qual o lugar que ocupa diante da sociedade? Está nítido que não.
Nomeio o problema social como esta figura porque ela é pública e se prestou ao papel de ser julgado pelo tribunal da internet, que oras as vezes são julgamentos justos e outrora descabidos. A ferocidade com que os julgamentos do Tribunal da Internet são feitos, são violentos tais quais a nossa sociedade adoecida. O adoecimento da sociedade não é nada recente, estamos doentes e tentando sobreviver nesse esgoto à céu aberto. Freud já falava sobre isso em 1930 quando publicou o primeiro escrito de sua obra, O Mal-Estar na Civilização.
2. Até quando pediremos desculpas por nossas vivências?
João fala sobre o episódio de racismo com a voz embargada e reunindo toda a força existente no seu corpo durante o jogo. Eu quis sair do sofá e abraçá-lo. Nada do que ninguém falar para ele, mesmo tendo a melhor intensão de acolhimento do mundo, apagará o sangrar de mais um episódio de racismo na vida dele. Nem desculpas ou um diálogo com promessas fúteis de melhoras da parte do Rodolffo, fará com que João olhe para ele com os mesmos olhos de antes. No fundo, todo ser humano preto já teve um vivência com um Rodolffo da vida e sabe que aquilo não passará de falsas promessas de entendimento e busca para não repetir o padrão preconceituoso.
De toda a situação, o que mais me dói é ver João e Camilla atravessados num programa ao vivo, por mais outra situação de racismo de tantas que já devem carregar em seus obituários de cada pedaço de si que foi assassinado por algum racista, o pedir desculpas pelas emoções sentidas. Porra, até quando nós precisaremos pedir desculpas por sentir? Até quando seremos tratados como máquinas de fazer justiça e não como um ser humano que acabou de ter uma de suas feridas mais profundas cutucadas novamente? Até quando seremos cobrados a sermos professores de racistas, machistas, LGBTfóbicos, etc? Até quando teremos que carregar esse peso de sermos agressivos e uma Viih Tube da vida ter medo por que a gente grita para ser escutado e ter nossos sentimentos validados? Até quando teremos um recorde de rejeição de uma rapper negra movimentado em todas as redes sociais pela população com um apoio intenso de outros artistas brancos? E quando a gente cobra posicionamento desses mesmos artistas sobre o Rodolffo a gente ouve o que? Exatamente, silêncio e isenção. Assim como, Tiago Leifert que se silencia e isenta-se de comentários que são necessários para dar a continuidade nessas pautas que não voltarão mais para dentro das senzalas ou favelas.
O povo preto sempre precisou silenciar tudo aquilo que sentia porque era constantemente açoitado e silenciado pelos seus senhores. E este recado é para vocês, brancos:
Senhoras e senhores, nós não temos mais medo de vocês! Resistiremos por todos nós, pelos nossos descendentes e por todos aqueles que já pisaram nesta Terra e foram silenciados, violentados e mortos. Nós não nos calaremos diante das injustiças cometidas com nós e nossos semelhantes!
Que venham Rodolffos, Bolsonaros, Vals Marchioris e a corja toda junta que dentro de cada um de nós, pretos, vive Marielle, Dandara, Zumbi dos Palmares, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez… Podem vir que a gente resiste e cura um ao outro com o amor preto, potente e AmarElo.
Enquanto a terra não for livre, eu também não sou. Enquanto ancestral de quem tá por vir, eu vou! (Emicida, 2019)
E para finalizar o texto, eu trago a mensagem para todo preto que me lê ou lerá num futuro…