a saudade é pra lembrar que estamos vivos.
Sentir saudade é pra nos lembrar que estamos vivos, para nos lembrar de tudo que vivemos ou que tínhamos planejado em viver. Para nos lembrar que é importante sentir, mas não sentir a qualquer custo à ponto de atear fogo no seu próprio corpo.
Ontem foi o dia mais nostálgico que vivenciei em todos esses dias de isolamento social. Eu chorei muito, eu senti dores no corpo, na cabeça, no útero e no peito. E tive a sensação de que tudo que toquei durante o dia foi destruído.
Eu senti saudade des amiges e chorei.
Eu senti saudade do meu pai, do meu irmão, das minhas avós, dos meus tios e tias, des primes… e chorei muito antes de dormir.
Eu senti saudade de subir as escadas da faculdade às pressas porque enrolei demais conversando com amiges que fui encontrando pelo caminho. E chorei mais ainda.
Eu senti saudade de ir pro sítio consagrar o Daime, trabalhar e amar e ser amada depois do trabalho. E chorei.
Eu senti saudade da minha gestação, mesmo dormindo na cama ao lado da minha filha que hoje tem 6 anos. E chorei.
Ontem o dia passou arrastado, passou dolorido e parecia interminável. Meu dia terminou a 1:45h da manhã, onde eu exalava ódio pelos poros por não entender muito bem aquele turbilhão de emoções que eu estava sentindo.
Ontem eu passei o dia inteiro viva, mas a saudade só me fazia sentir dor e raiva por todos os momentos que eu queria estar vivendo e não posso, mas hoje eu vejo que passei o dia inteiro vivinha. Sentindo o dia todo as incontáveis vontades: sentir a água gelada do rio arrepiando minha pele, do abraço apertado de algum amige, do beijo na boca e do dormir junto, da emoção que sinto ao cantar os Doze, de atravessar a br pra chegar na faculdade, de comer peixe na Feira do Porto, de poder sair na rua, olhar rostos sem máscaras ou medos, sair pra dançar e beber muito em algum open bar com minhas amigas… Passei o dia pensando nas minhas vontades, mas a angústia de não saber quando poderei realizar qualquer um desses desejos, prevaleceu o dia inteiro e eu só sentia a fúria percorrendo meu corpo.
Ontem, eu fiz vídeo chamada com o namorado e passei boa parte do tempo só olhando pra tela e querendo dizer o quanto eu sinto saudade dele, eu disse várias vezes e todas as vezes que eu verbalizei a falta que ele me faz, eu segurava o choro que queria romper as barreiras que coloquei quando perguntei se ele queria me ver antes de nos ligarmos. Se ele soubesse o quanto eu queria sair correndo da rede e bater no portão da casa dele pra dizer: “oi, eu vim aqui pedir pra morar no teu peito, porque hoje eu não tô suportando morar no meu.”
Eu analisei o dia de ontem e percebi que não sei lidar com o incômodo que a saudade causa. Resolvi tentar no dia de hoje e deu muito certo. Eu vi a live da Liniker pensando em todes que eu amo e tô com saudade, cantei bem alto as músicas para sentir que estou viva. Depois eu dancei até pingar de suor com a Luna, brinquei na piscininha de plástico com as crianças, limpei meu altar e organizei meus livros e os artigos da faculdade e dos grupos de estudos.
Percebi algumas coisas relacionada a saudade hoje e gostaria de compartilhar: KitKat, pão com queijo e goiabada, rede e asssistir aos sábados Greg News não fazem tanto sentido sem o Mau aqui pra dividir comigo. Strogonoff de frango e análise dos fatos alheios, vulgo fofoca não faz tanto sentido assim se não tiver a Juliana. Ouvir Goela Abaixo não faz muito sentido se eu não tiver a Tácia pra dividir o fone comigo. Rebolar a bunda ao som de qualquer coisa não tem tanto sentido assim se a Bia não estiver comigo. Fazer piadas pura pulsão de morte não tem o menor sentido se não tiver a Bruna comigo. Falar que a sala tá escura e reclamar que o tempo passa arrastado durante às aulas ruins não fazem o menor sentido se o Felipe não estiver comigo. Falar sobre as indignações das militâncias e falar 3 horas sem parar não tem o menor sentido se não tiver a Adriele. Ser chamada de deusa, ter a beleza elogiada e o abraço afetuoso com direito a carinho no cabelo ao chegar na faculdade não faz o menor sentido se não tiver o Lucas. Falar que não tenho muito o que dizer, mas se der uma brechinha não consigo mais parar, não faz sentido se não tiver a Cemilla. Os almoços em família não tem muito sentido se não tiver a Bruninha para partilhar da farofa de banana, não faz muito sentido…
A minha saudade não faz o menor sentido sem todos aqueles que despertam várias das minhas nuances. Não faz sentido, mas estou aprendendo a adaptar e expressar em palavras e áudios o quanto eu sinto falta de todes, já que não posso mostrar com um abraço.
Tô ressignificando várias dessas coisas que citei aí e recriando meu modo de amar cada um deles sem que seja com o toque, mas com a lembrança do sorriso e do amor de cada um.
Encarar de frente as dores que a saudade vem me causando, tem sido interessante… Aprendi a me acolher e me escutar. Deixei as lágrimas rolarem para escoar a dor, mas só consegui sentir amor no fim das contas.